terça-feira, 7 de abril de 2009

Bairro da zona sul tem maior índice de cães por habitante em SP

WILLIAN VIEIRA
da Revista da Folha


No espaço entre o quintal com gramado e a varanda do sobrado na calma rua Cristóvão Pereira, quem manda é Napoleão de Riverplate. E ele vive à espera não só dos passeios sagrados, que acontecem de manhã e à tarde, mas do novo amigo: um boxer lhe fará companhia em breve. Mas Napo, como é conhecido pela vizinhança, está tranquilo. Sabe que é o rei do pedaço.

O labrador de oito anos é ainda o cão típico do mais canino bairro de São Paulo. Com suas casas com quintal e ruas arborizadas, dezenas de pet shops, clínicas veterinárias e moradores que (logo se vê) amam bichos, o Campo Belo, na zona sul, tem a maior proporção canina/habitante: 1,42 paulistano por cão, ou cerca de dois cachorros para cada três pessoas. É o que mostra um estudo do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Animal da USP.

Em parceria com 120 agentes do CCZ (Centro de Controle de Zoonoses) da prefeitura, a pesquisa foi feita de 2006 a 2009 em 12 mil domicílios paulistanos em 96 distritos, com amostragem semelhante à do IBGE. Os dados serão usados pelo CCZ para identificar novos focos para campanhas de vacinação em toda a cidade.

Os resultados ainda não incluem números fechados de distritos como Pinheiros e Santa Cecília (onde fica Higienópolis, notório reduto canino). "Mas dados preliminares mostram que Santa Cecília, por exemplo, que é um distrito misto e muito comercial, não estará no topo. Se a mostra fosse só da avenida Higienópolis, talvez", brinca Ricardo Augusto Dias, coordenador da pesquisa e professor de epidemiologia da USP. "O Campo Belo é predominantemente residencial e homogêneo", explica ele. "é, sem dúvida, o mais canino."

Clima de vila

Foi pelo labrador Napo que o empresário Roberto Lapietra, 45, trocou o apartamento no Campo Belo por uma casa no mesmo bairro. "Essa raça precisa de espaço e de ruas calmas. Aqui é ótimo", diz a mulher dele, a dentista Débora Lapietra, 30. "Nossa alegria é a cachorrada de domingo, quando encontramos na rua, na banca e até na padaria, donos de outros cachorrões como ele." É quando Napo divide os 8.800 m2 do bairro com outros estimados 41 mil cachorros.

Mas como explicar por que o Campo Belo é o reduto deles? "A resposta pode estar em como as pessoas enxergam seus bichos", diz Ricardo, da USP. No bairro, 97,1% dos donos têm animal porque gostam (88,3% deles, para companhia). "O Campo Belo é ideal para viver, sob a ótica do cão." Ou seja, lá tem muitas casas, ruas arborizadas e pet shops.

No Campo Belo vivem cerca de 63 mil paulistanos, segundo dados do Seade (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados), o que dá ao bairro a densidade de sete pessoas por km2. Perdizes, por exemplo, tem 16.

O trânsito, fora horários de pico, é tranquilo. E, apesar dos novos edifícios, segundo pesquisa do Datafolha no ano passado para o especial "DNA Paulistano", 63% dos habitantes moram em casas. Campo Belo mantém um certo clima de vila. O resultado: 85,3% dos cães vivem em casas com quintal.

A julgar pela receptividade do casal de rottweillers Kaiser Fanton, 1, e Dona, 5, que lambem com festa até mesmo um desconhecido, parece que estão felizes. Pudera. Os cães vivem com a aposentada Tancy Aguiar, 52, numa ampla casa com quintal, gramado, piscina e até salão de festas. Adestrados, eles passeiam todo dia pelo bairro e ainda fazem natação duas vezes por semana.

Além dos rottweillers, Tancy também tem uma beagle, Katucha, 13, herança do período em que morava num apartamento. "Quando mudei para cá, quis comprar um golden retriever. Mas vi o rottweiller, me apaixonei e decidi ter dois." E ela já faz planos. "Quero uma casa ainda maior para eles correrem e, claro, aqui mesmo, no Campo Belo."

Cocô pelo caminho

Tanto cachorro se reflete no comércio especializado. A Revista percorreu o bairro e contou 17 pet shops (muitos são clínicas ao mesmo tempo). Seus donos afirmam: cerca de 50 animais passam diariamente por cada um deles. E as raças mais populares, dizem eles, são labrador e golden retriever (das grandes) e shitsu, poodle, lhasa, schnauzer e maltês (entre as pequenas).

Para eles, há até serviços de creche com direito a "dog-walker", que cobram mensalidades de R$ 400/mês e passeiam até duas vezes por dia. Caso de Shiva, um spitz alemão de oito meses que passa o dia numa delas. Só vê a dona à noite, quando faz o terceiro passeio do dia (dois são na creche). "O problema é que ele está se achando meu dono. Vive irritado com os outros cães", diz a executiva Maria Angélica Gonçalves, 49, dona do cãozinho.

Mas Shiva está no lugar errado para ser antissocial. Num bairro como o Campo Belo, em apenas dez minutos de passeio, o spitz alemão chega a cruzar com dez cães (um por minuto) pelo caminho. Veterinários da creche acham que a solução para Shiva é a homeopatia. Maria consente.

Colegas de rua

A falta de harmonia entre os cães é apenas um dos problemas da superpopulação canina do Campo Belo. Nem todos os moradores têm educação para recolher as fezes dos animais. "Não há dúvida de que a nossa maior preocupação é o cocô", diz a veterinária Fabianne Nahra, 31, do Pet Club. Ela distribui, gratuitamente, saquinhos higiênicos aos moradores. "Mas não adianta. O volume de cães traz consequências", queixa-se. A veterinária faz um alerta: casos de zoonoses têm aparecido com frequência no consultório. "Num bairro como o Campo Belo, onde a maioria dos cães é bem-cuidada, não deveríamos registrar esse tipo de problema", afirma.

Segundo Marco Antônio Vigilato, do CCZ, nem todo cão responde à vacina. "Mesmo com cuidado, ele vai lamber o chão e pode levar doenças para casa", diz. Para complicar, no Campo Belo fica a favela do Piolho, onde há (muitos) cães não vacinados que transitam pelo bairro.

"Volta e meia vem cachorro de madame aqui, mas os nossos correm com eles", ironiza o carroceiro e morador da favela Francisco Ferreira, 24, dono de Capitu, 12, sem raça definida.
Mas se cães como Capitu têm vida longa é porque há, no bairro, gente que ama tanto os bichos que não se contenta em cuidar só dos seus. É para reduzir a população de animais abandonados no Campo Belo que a aposentada Maria Helena Brummer, 68, sai às ruas com um grupo de dez senhoras que recolhe os bichos, leva-os para serem castrados e vermifugados. Depois, eles são deixados no lugar de origem.

"Até queria ter mais, só que a casa é pequena", diz Maria, dona de três vira-latas, que correm pelo quintal do sobrado florido onde vive. Mas ela está tranquila. Sabe que, de uma maneira ou de outra, na rua ou não, os cães do Campo Belo estão em casa.


Fonte: Folha Online

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